quinta-feira, 5 de outubro de 2006

As novas vestes do Rei

Os historiadores daquele Reino distante ainda debatem sobre o que de fato terá ocorrido naquele dia em que o monarca mostrava a seu povo aquela veste diáfana e translúcida que havia encomendado aos magos que visitavam sua corte. Houve muita controvérsia entre os intelectuais da Academia do Reino. Alguns consideraram aquele menino famoso da fábula, um agente golpista infiltrado na multidão. Após a prisão, orientado por seus advogados, ele afirmou que não havia sido ele a pronunciar a frase: “O Rei está nu”. Ele tinha apenas apontado para a enorme barriga do soberano, conhecido apreciador de boa carne e bons vinhos, dizendo “O Rei está numa boa”, e que devido ao barulho o povo ouviu apenas uma parte da frase por ele dita. Sabe-se lá. Não havia documentos históricos muito confiáveis, mas a tradição oral dizia que o rei oscilou entre considerar que, de fato, o povo não teria conseguido perceber a beleza de suas vestes e a possibilidade de ter havido traição por parte de seus alfaiates em conluio com os magos. No Arquivo Real não se consegue até os dias de hoje, obter material historiográfico suficiente para saber o que ocorreu nos anos seguintes ao famoso desfile. Restou o desafio lançado pela fábula. O que terá ocorrido naquele Reino durante e após tão badalado cortejo? Talvez, cada um possa refazer a estória a seu modo. A mim ocorreu que o Rei ficou muito contrariado e, após responsabilizar o alfaiate, os fornecedores de tecidos e o menino malcriado, pelas vaias e risadas ocorridas no desfile, resolveu encomendar novas vestes. As roupas que ele vestira no passado não lhe serviam mais, ficavam muito apertadas e ele se acostumara com outras roupas mais largas oferecidas de presente por alguns barões da Corte. Orientou então, para que se convocasse novamente os sábios e os magos do reino para ouvi-los, sobre como deveria ser o novo figurino para o próximo desfile. Alguns insistiam que ele deveria passar por cima da incompreensão popular e voltar a vestir o manto transparente, pois eles acabariam por se acostumar. Porém um sábio prudentíssimo recomendou-lhe mandar costurar novas vestes com tecidos finos, mas de cores diferentes das usadas no passado. As anteriores já não combinavam mais com o novo perfil do soberano e era preciso restaurar a imagem pública do Monarca. E assim se fez. No dia do novo desfile o Reino engalanou-se como nunca antes havia ocorrido. A cavalaria real estava garbosa como sempre estão as cavalarias reais. O público delirava ao ver se aproximar o Rei e sua Corte da praça central do reino. Quando de repente, novamente, o inesperado aconteceu, o público irrompeu em estrondosa gargalhada. Desta vez foi uma menina que falou para sua mãe: “O Rei está de salto alto”. As fofocas dizem até que era salto Luiz XV. A multidão teve que ser novamente dispersada e mais não se soube. A verdade mesmo é que os arquivos reais não registram os episódios daquela época longínqua, na qual os governantes eram facilmente iludidos por suas cortes e assim cada um pode criar a história que desejar.

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